quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

NO ACONCHEGO DA CHEGADA DA NOITE POLAR

—Rospo! Sexta-feira! Lembra? Ninguém é de Ninguém! Vamos tomar um sorvete gelado? A noite está nublada,  a lua se escondeu. Faceira que só ela. Não faceira de Face, mas de dengo, de andarilhar no céu a brilhar. Às vezes parece um sorvete de creme, bordado numa estrelada toalha azul.
—Sapabela, está inspirada! Essa inspiração merece um sorvete de Lua. E lá vamos nós! Mas, tem um detalhe.
—Sempre tem!
—Não é sexta! É quinta. A fascinante quinta.
—Quinta sempre enfeitiçou a humanidade dos sapos.
—Sei não, Sapabela. Só falo por mim. Quando eu era menino gostava de fazer campeonato de gargalhadas com uma menininha sardentinha que  sentava comigo à beira de um barranco esperando o trem passar e quando ele apontava na curva já preparávamos as nossas gargalhadas.
—Rospo, vamos qualquer dia fazer um campeonato de gargalhadas?
—Vamos sim. Mas para onde foi tudo aquilo, Sapabela? A ferrovia, a menininha sardentinha, as gargalhadas...
—Para algum livro, Rospo. Se não o escreveu ainda, não perca mais tempo. Um livro, bem sabe, existe antes de ser escrito.
—Sapabela, gosto de me aproximar dos sapos que têm a "Palavra bonanza"...
—Que coisa é essa, Rospo? Conheço a "Palavra Fiandeira", mas "Palavra bonanza"...
—A palavra bonanza era aquela que não precisava de assinatura.
—Rospo, está frio, vou... Atchim!
—Eu falo o nome dos outros.
—Atchim!
—Eu falo o nome dos outros seis.
—Ora, Rospo, sei que sabe o nome de cada anãozinho. Sabia que antes da versão Disney, bem lá na origem, eram duendes?
—Sapabela, isso me faz lembrar: Será que um dia uma esperança branca como a neve irá triunfar? Agora que a noite polar está chegando, me ponho a pensar...
—Diga! Mas, sabia que quando eu era uma sapinha, tão bonitinha, ficava na espreita de um galho só pra ver pousar uma esperança, que era um gafonhoto verde que eu amava tanto?
Rospo, pena que o Natal seja só em Dezembro, pena que não dura o ano todo, a cada dia.
—Por isso mesmo!
—Não entendi.
—Veja, Sapabela. Essa é a magia. Como sabe, a vida é mágica, basta observar uma gota alisando os vincos de uma folha,  o salto circense de um gafanhoto, basta...
—Eu sei, meu querido. Sei que a vida é mágica. E sei de algo extraordinário. Um amigo faz com que a vida seja um espetáculo em nossa alma.
—Um amigo pode ser tudo isso, Sapabela?
—Naturalmente, basta que cada qual aceite aquele sujeito entre nós.
—Que sujeito sapabela? Que sujeito?
—O Senhor "Querer". É ele que nos transporta para a magia. Mas queria tanto que a noite polar, com sua neve...
—Sapabela, vivemos num brejo tropical...
—Rospo, sei que falou isso para me provocar pois sabe tanto quanto eu que a neve faz parte de um simbolismo encantado que foi edificado através dos tempos. Não se trata apenas, como diríamos se sectários fôssemos, uma importação de Natal estrangeiro. Nada disso. Vamos deixar de lado agora essa discussão. O que eu queria mesmo é que na noite polar, pudesse estar ao lado de um amigo contemplando o manto azul de estrelas, sentada à beira de um barranco esperando o apito do trem na curva para então lançar ao ar a minha mais estrondosa gargalhada e ganhar o campeonato de viver.
—Que tal quando o trem passar gritar bem alto, bem alto... "Eu te amo!"
—Rospo, como é isso?
—Às vezes a sapinha sardentinha gritava assim para o luar, as estrelas, os riscos de luzes, os vultos das árvores no fogaréu do pôr do sol na linha do horizonte.
—Que emocionante, Rospo! E gostaria que eu, que não sou uma menininha sardentinha, gritasse "Eu te Amo!" para um sapão, não é?
—Sapabela, faça-me rir. Vamos andar por aí?
—Vamos, mãos dadas. Se alguém olhar pensará o que quiser, pois  somos amigos enamorados das coisas que a vida nos mostra. Coisas que os sapos construíram, e coisas da natureza, que os sapos ainda não destruíram.
—Sapabela, um pouquinho forte isso. Quem não presta atenção pensará que a natureza do sapo é destruir. Mas não é. Tem sapo que destrói, mas tem sapo que tudo faz para proteger e conservar.
—Verdade, Rospo. Posso dizer algo?
—Não peça, fale, querida.
—É tão bom passear de mãos dadas com um amigo.
—É que ainda não valsamos.
—Quero me enluarar toda na Noite Polar. Quero que o próprio ar saiba da alegria de ser Sapabela. 


HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 743
Marciano Vasques


2 comentários:

  1. Passando para agradecer sua companhia durante esse ano, e pedindo volte ano que vem, feliz natal, bjus tere.

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  2. Estar ao lado de um amigo comtemplando o manto azul, numa noite polar de Natal...Vamos todos juntos ligados pelo fio invisível do pensameto
    Feliz Natal!
    Ana

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