terça-feira, 13 de dezembro de 2011

TECENDO E REFAZENDO

—Certa conversa nossa você falou sobre o fato de eu usualmente mencionar certos "atributos" culturais da Sapa, como preparar o bolo, a massa,  espalhar pela vizinhança o aroma do bolo . Aroma de chamar meninos que estão brincando no capinzal.
—Verdade, Rospo. Foi apenas uma observação. Não exerci um drops de crítica.
—Ocorre, Sapabela, que certos "atributos" da sapa mexem com a minha cabeça. Como já disse, sou por demais feliz por ter nascido sapo. Não me suponho fora do masculino. Porém, se no meu universo também tem coisas por demais gratificantes, e como tem!; No universo da sapa tem algumas que realmente me deixam bem feliz.
—Raro um sapo falar isso,
—Como sabe, aprecio a vaidade da sapa. Um sapa que não seja vaidosa é realmente uma "anfíbia" incompleta.
—Vaidade é também um "atributo" cultural.
—Sim, naturalmente.
—Curioso.
—?
—Você ter usado esse "naturalmente" para se referir a um "atributo" cultural.
—Nosso idioma nos abastece de magia. Nele, viver é pronunciar-se.
—Pois sim. Além da vaidade, do aroma do bolo, que mais?
—O destino de tecelá.
—Usou a palavra destino.
—Com um significado original, suponho.
—Estou chegando lá, prossiga.
—Destino, no caso, está no mesmo campo semântico de tecitura.
—Por demais interessante.
—Ao utilizar a palavra "destino" quis ilustrar o fato de que a sapa é que conduz a sua própria alma. Nessa destinação revela-se a sua condição de tecelã, de fiandeira, aquela que tece, e tem mais, vivo a dizer.
—Já sei, a sua condição de cerzir, costurar por dentro.
—É impressionante esse "atributo" da sapa: seu rosto sorrir e ser paisagem analgésica em momentos de sofrimento.
—Aprecio ouvir tudo isso, Rospo. Parece que tem uma preocupação, um profundo interesse pela alma da sapa.
—A sapa é a minha companheira. Essa é uma de suas destinações: Ser companheira, parceira, do sapo. Nada mais razoável que eu tenha por ela uma vivacidade de interesse.
—Essa parceria a que se refere, essa destinação, é repartida, não é? Vejo no sapo a mesma condição.
—A cultura costuma nublar o olhar. Às vezes, o que é tão límpido, tão claro, não se apresenta assim. O lago turva-se com imprecisas nódoas.
—Rospo, gosto de fiar, tecer pensamentos, viajar na minha condição de ser.  E tem mais.
—Esse "Mais" é que sempre espero.
—A sapa está em busca da sua narrativa de vida. Estou a cada dia erguendo a minha. Fora de uma narrativa a sapa não vive de forma autêntica. Cada qual deve, a cada manhã, buscar, refazer e rebuscar a sua.
—Bonito, Sapabela! A tal destinação de parceria em nada deve submeter um ao poder do outro, poder de posse, quero dizer, pois o único poder que interessa no caso, é o do encanto. Sapas e sapos se encantam e se conquistam.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 730
Marciano Vasques

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar neste blog