sábado, 3 de dezembro de 2011

UMA SAPA APAIXONANTE

Tarde de sábado é tesouro que não se perde, e lá vai a Sapabela, num "Refaço de Recife", caminhando na calçada rumo a um Shopping de passear, quando encontra o velho amigo:
—Rospo!
—Sapabela! Minha querida.
—Está piscando, Rospo? Um cisco na vista?
—Não, Sapabela, é um cacoete.
—Nunca teve isso, nunca soube de nenhum cacoete, e esse então!, pois não tiro os meus olhos dos seus quando conversamos.
—Verdade. Somos sapos antigos, do tempo de se olhar nos olhos quando se fala ou se ouve alguém.
—Não consegue parar de piscar, Rospo? O que aconteceu?
—Tive que piscar para uma sapa...
—A Sapa não estar mais aqui, Rospo! Por que continua piscando?
—Quando tive que piscar reparei que ela estava acompanhada. E o Sapão dela percebeu.
—Entendi! Então teve que continuar piscando para fingir que é um cacoete. Pode parar de piscar que não tem nenhum sapão por perto, mas explique essa história de "Tive que piscar para uma Sapa".
—Ela piscou primeiro, Sapabela.
—O meu Rospo? Piscando para uma sapa? Pelo que me consta, você não faz isso.
—Faço mesmo não.
—Mas fez! O meu melhor amigo, aliás, o único plenamente confiável, fez uma bobagem dessa.
—Se eu não piscasse, seria uma afronta, uma indelicadeza. Não se faz isso com uma sapa, Sapabela. Não se recusa responder quando uma Sapa pisca. É igual ao reino das ilusões.
—Sei. Então, por delicadeza, você respondeu ao aceno dela, e teve que ganhar um "Cacoete" para escapar da "delicadeza" do Sapão dela. E que reino das ilusões é esse?
—É que você não tem Facebook!
—Mas você tem! Por isso quase não o vejo mais na Praça.
—No Facebook é "Cutucar". É indelicadeza não responder à cutucada.
—Que se entenda com o mundo virtual, e faça um samba com as cutucadas, mas aqui, na vida real, meu amigo, você é um sapo diferente, e não fica por aí piscando. Por isso o escolhi para ser meu amigo.
—Sapabela, sabe que eu jamais mexo com uma sapa na rua. Aliás, até considero que seria um otário se fizesse isso. Ocorre que foi inevitável.
—Sei, você seria incapaz de uma indelicadeza. Mas não faça mais isso, Rospo.
—Sapabela, sou humano, e não foi uma piscada intencional.
—"Ninguém pisca em vão", ou "Nenhuma piscada será em vão". Um filósofo escreveu isso bem antes da nossa chegada ao mundo.
—Que filósofo?
—Lembro não. É um que, segundo a história registra, ficou com um cacoete depois de um murro...
—É mesmo, Sapabela? Vou procurar no Google.
—E você não é humano, é anfíbio. Porém, tem uma vida só. Então, meu querido. Que tal esquecer tudo e convidar aquela sapa amiga para um sorvete?
—Cadê ela?
—Cadê ela, quem?
—A sapa amiga.
—!
—Sapabela, desfaça esse olhar. Sabe que estou brincando. Vamos ao sorvete.
—Ora, piscar para uma sapa. Pensei que além de ser um sapo diferente, fosse um intelectual.
—Intelectual aprecia as coisas boas da vida com mais requinte. Mas você tem razão, minha sapinha, eu deveria andar com uma tabuleta pendurada, com os dizeres: "Sapas, não pisquem!", em vez de retribuir a delicadeza da piscada.
—Indelicadeza foi com você, pois deveria saber que isso é uma coisa boba. Além do mais, feliz o Sapo que tem a sua Sapa. Está na hora de saber que a sua Sapa pode estar esperando vencer o prazo de validade dessa sua timidez disfarçada e então, pode resolver ela mesmo piscar com poesia para um novo tempo de luz e abraços e beijos e...
—Sapabela, onde estará essa sapa?
—Outro dia, sonhei com você, Rospo.
—Outra vez?
—Eu andei sonhando?
—Pode contar em detalhes esse sonho? Como aconteceu? Tudo, tudinho.
—Está maluco? Sonhei que você era cabeçudo. Ocorre que nunca vi um sonho ser tão realidade.
—Por que fala isso, querida?
—Diz que vai procurar para ver onde essa sapa está, e esquece de olhar ao redor, ou melhor, não pode compreender que aquilo que almejamos pode estar muito mais próximo do que supomos?
—Tem razão, Sapabela.
—Sei disso. Talvez esteja com o olhar ocupado vendo o mundo e esquece do pequeno mundo que é tudo na vida de alguém.
—Sapabela, o meu quero de baunilha. Mas você está uma pilha, tudo por uma piscadela inocente. Porém tem algo que preciso dizer: Está apaixonada por alguém?
—Não estou apaixonada, Rospo! Eu sou apaixonante, desde sempre. Apaixonante! Não consegue ver isso?
—Exagerou na dose com o seu sonho, pois eu seria cabeçudo se não tivesse reparado que você é apaixonante.
—Sim?
—E está linda com esse vestidinho cor de leite com groselha.
—Obrigada! Também gosto dele.
—Fico pensando:
—Pensando que pensamento?
—Eu tirando esse vestidinho.
—Pois vá sonhando, meu caro. O sorvete está uma delícia. Viu a programação do cinema?
—E vi, e a convido para...
—Aceito!
—Nem falei o filme!
—Ora, Rospo, certos detalhes não precisam num convite.
—Errado. O convidado pode não se interessar pelo filme.
—No nosso caso isso jamais ocorreria, pois o conheço bem. Sei do apuro do seu gosto.
—Obrigado pela confiança, querida amiga.
—Não precisa agradecer, Rospo. Sua amizade só me faz bem.
—Não está brava por causa da piscada?
—Piscada? Que piscada? Nem lembro mais. Vamos comprar os bilhetes do cinema?
—Vamos.  Meu coração está sabadoficando.
—Rospo, por que olhou para trás?
—Para dar uma piscada.
—Não brinca!
—Para o leitor, minha cara. Para o leitor.


HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 —719
Marciano Vasques


2 comentários:

  1. Uma delicia ler sempre as linhas e entrelinhas das conversas destes sapinhos.

    Um abraço meu amigo Marciano Vasques.

    Saudades daqui...
    oa.s

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  2. Na verdade, eu percebo que o Rospo pisca com paixão para seus leitores, mas a Sapabela é esperta!
    Luz
    Ana

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