domingo, 1 de janeiro de 2012

ABRAÇO NO CHUVISCO

—Agora que o lindão chegou com seus 2012 abraços, quero caminhar nas calçadas enquanto meus amigos dormem depois da madrugada universal.




Como outros sapos estão acordados. No caso, uma sapa, eis que o Rospo encontra a sonolenta amiga.




—Sapabela. Que alegria encontrá-la na primeira manhã de 2012!
—Rospo, vi a sua frase preferida numa placa.
—Refere-se à "É proibído estacionar"?
—Exatamente. Sei que dela gosta pela sua aplicação na vida.
—"Estacionar" na vida é ficar parado. Ficar parado é caminhar para trás.
—Foi bom o réveillon, Rospo? Passou na Paulista?
—Não, Sapabela. Passei com minha linda família em casa.
—E as sapinhas?
—Ontem elas ultrapassaram o horário de dormir. Recentemente uma das meninas disse que "Hora de menina dormir é 3 horas da madrugada", mas ontem, ou hoje, elas foram até às 5 horas.
—Muito bem!
—E você, Sapabela?
—Da mesma forma, Rospo. Passei com a família.
—Que 2012 nos venha com a força dos 2012 abraços, minha amiga.
—Não precisa ser 2012 abraços de sapas, não é, Rospo?
—Não, Sapabela. Serão abraços de amigos...
—Serão 2012 amigos abraçando, Rospo?
—Não! Muitos amigos abraçarão diversas vezes.
—Queria começar hoje.
—O seu vale por 100 abraços, Sapabela!
—Não, meu querido. Em 2012  cada abraço meu valerá por si, terá o valor de um abraço, desse modo, terei a chance de 365 abraços, sendo que nos encontraremos a cada dia do ano.
—Um abraço na chegada e um na despedida, serão 730. Realmente, 2012 será um puro abraço chamado Ano. Uma incrível translação de abraços. Mesmo porque, Sapabela, irei abracar cada conversa boa, cada grito contra injustiças, cada ato de coragem, cada poema, cada...
—Farei o mesmo. Sendo assim, vamos nos abraçar agora.
—Vamos!
—Zipa!
— Sapabela, um sorvete? Sei que é cedo.
—Que adoção!
—Adoção?
—Excesso de doçura.
—Está bem, Sapabela. Vamos ao sorvete logo agora cedo.
—Cedo? 2012 já começou, Rospo!
— Está chuviscando.
—Agora o abraço ficará mais chique, mais gostoso, mais... 2012.
—Sapabela, será que o lindão será bom mesmo?
—É só você não se esquecer de algo...
—Diga.
—Quem faz o ano é você, sou eu, cada um de nós.
—Pode acontecer: tragédias, guerras, corrupção no governo, injustiças, terremotos, alagamentos...
—Com as forças da natureza devemos sempre  acionar a nossa solidariedade e a doce caridade de nossos corações para ajudar de alguma forma os que sofrerem. Contra as guerras, a corrupção, as injustiças...
—Sim?
—Devemos erguer as nossas vozes sempre: berrar, alertar a todos, gritar se preciso for. Entregar a voz ao ar, lançá-la, empiná-la, para que todos tomem conhecimento. Se nos omitirmos, se nosso comportamento for de omissão, então, certamente, estaremos traíndo 2012...
—Omissão jamais, Sapabela!
—Tudo tem que ser merecido, Rospo. A taça do vinho de uva, o sono tranquilo ao travesseiro, o almoço sorridente...
—Entendi, Sapabela. Um omisso, um covarde, pode até almoçar, tomar a bebida gelada, ir ao cinema, e tudo o mais, mas serão certamente acontecimentos sem merecimento, sem felicidade autêntica, sem a sincera gratidão da vida. Mas, prossiga:
—Hoje temos vários canais pelos quais a voz pode ecoar. Bem sabe, Rospo: de um lado os que atrapalham o doce andamento da vida com suas maldades, seus escusos interesses, suas ganâncias, suas atrocidades contra indefesos e inocentes, e de outro, nós, com nossas vozes de prontidão, sempre na disposição de denunciar, de alertar o mundo contra o mal...
—No ano passado lutei bravamente contra a arrogância, nos bastidores, e perdi "amigos"...
—Isso aumentou o meu respeito e o meu carinho por você, Rospo. E já que você deu corda, e deixou meus olhos acordoados num cordão que até me faz ouvir o som do acordeón nesta manhã de acordar, quero dizer algo:
—Diga algo de alga transparente.
—Que seja: temos duas vertentes em nossos corações. Poetizar o mundo, e denunciar todas as formas de agressão ao mundo.
—Aos sapos.
—Cada sapo é um mundo. Milhões de mundos numa sábia e maravilhosa colisão. E não apenas aos sapos, mas aos animais.  Como cada sapo é um mundo, não custa lembrar que cada sapa é única. Nenhuma sapa, e nenhum Ser é igual a outro...
—Isso já sei, Sapabela.
—Então, vamos ao abraço, que o sorvete está esperando.
—Os dois aquecem o meu Ser,  o seu abraço e o sorvete — um gelado que nos aquece a amizade.
—Rospo, Feliz tudo!
—Sapabela, o bom do seu abraço é que você vem junto. Ou seja, vem a sua amizade, o seu afeto, a sua ternura, a sua bondade, a sua esperteza, a sua vivacidade, a sua retidão, a sua...
—Pare de falar, Rospo! Deixe o abraço nos esquentar nessa manhã que chuvisca.
—Tem razão, tem razão: Sapo fala demais.
—Sabe que não é isso. É que às vezes demora a entender que tem momentos que são de puro silêncio.
                                                                                     *




—E aqueles dois?
—São malucos.
—Só podem. Fui até a padaria buscar os pães e estou voltando e eles continuam abraçados sob o fino chuvisco.
—Tem louco pra tudo. Bem, deixe-me ir, que a rotina do dia me chama. Tchau, amigo.
—Tchau,  não vejo a hora de pegar um sofá,  dormir e só acordar na hora do almoço.
—Não seria melhor avisá-los que está chuviscando?
—Está maluca, dona? Cada qual com a sua loucura!
—Sabe, Sapo, queria dizer algo que  reparei  e talvez precise de reparação: o que falta em minha vida é um pouco de loucura.
—Mulher, não dá para conversar agora. Está chuviscando. Sabe se tem futebol hoje?
—Está bem, até mais.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2012    — 755
Marciano Vasques

Um comentário:

  1. "Quem faz o ano é você, eu, todos nos.."Poetizar o mundo e denuciar todas as formas de agressão.."Fazemos um mundo melhor com essas pensamentos e ações..
    Luz!
    Ana

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