quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O SAPO E A ILUSÃO

—Rospo!
—Sapabela!
—O que pensa da ilusão, meu amigo?
—Cresci entre ilusões.
—Isso fez mal, Rospo?
—Ilusão não faz mal, na medida certa. Alguém até já disse: "A ilusão é a mãe da vida".
—Nem sabia que tinha medida certa para ilusão. Na verdade, pensava que ela fosse imponderável.
—Sapabela. A dose de ilusão necessária numa vida depende de cada um, das circunstâncias de cada vida. No meu caso, quando sapinho, foi para mim extremamente benéfica. E como me ative sempre ao distanciamento do coletivo, foi ainda mais eficaz. Porém, a ilusão pode causar dependência.
—Rospo, vamos esmiuçar. Que papo é esse de dependência?
—Veja só, Sapabela. A ilusão, como já disse, é benéfica em diversos momentos da vida, quase, até poderíamos dizer, a vida inteira. Entretanto, um sapo que se acostuma, que se torna viciado de ilusão, pode causar a si mesmo o desconforto da realidade.
—Quase nem tão complexo, meu querido. Mas, precisa esmiuçar um pouquinho mais.
—Se a ilusão é benéfica na vida, como de fato é, ela pode causar no sapo a sensação de que é melhor viver de ilusões.
—Às vezes é ela que segura a vida.
—Correto. Mas também é bom que o sapo se aprume. Assimile, em determinadas circunstâncias, para si, para o seu coração, algo mais substancial do que a ilusão. Se ele persiste no "gosto da ilusão", pode abocanhar decepções.
—Pode explicitar com um exemplo concreto? Você sabe, apesar de ser onírica e poetizada, a sapa sempre prefere algo mais concreto do que ilusões e inócuas  promessas.
—Vamos então: um exemplo concreto? Deixe-me pensar: já sei! Um amigo meu...
—Sim?
—Ainda tem uma facilidade extrema em falar "Eu te amo!".
—Coisa mais fácil hoje em dia, Rospo. Andam dizendo isso a granel.
—Pois é, se o mundo tivesse tanto amor quanto as suas declarações.
—Verdade, mas, e aí, o que fez o seu amigo?
—Disse "Eu te amo!" para uma sapa.
—Bonito isso, Rospo! Depois a sapa vai ver isso na prática, no cotidiano, nos gestos, nas delicadezas, na entronização das ideias, na coerência do pensamento, nas gentilezas, e principalmente nele. Isso mesmo! Ele! O maior de todos. A maior prova de amor: ELE!
—Sapabela, quem é esse "Ele"?
—Você sabe, Rospo! "Ele" é o "Cuidado". O cuidado para com o outro é essencial para a existência e sobrevivência do amor. O "Cuidado". É com ele que se mede o amor. De que adiantam discursos, palavras bonitas, que também valem, mas, de que adiantam as declarações, se não houver o cuidado para com o outro, e para com o próprio relacionamento.  Mas fale-me do seu amigo. Conte-me da "ilusão" dele.
—Pois é, Sapabela.
—Pois é, o que, Rospo?
—Ele passou a supor que algum sentimento que porventura tivesse para com uma sapa que nem ao menos vira uma só vez ao vivo, ele passou a imaginar que tal sentimento de admiração por ela ter se expressando com palavras cativantes e poéticas, que tal sentimento pudesse ser amor, e assim se declarou, dizendo que a amava. Escreveu "Eu te Amo!", como se o amor pudesse não prescindir da convivência, e no plano mais simples, do tato, das carícias...
—Entendi, essa sapa ele só conhecia numa Rede Social. E então, por ter se identificado com ela no mundo das palavras, na poesia  e  na expressão do ser, foi logo acreditando no "Eu te amo!", mas, e então, o que aconteceu?
—Não aconteceu nada.
—Rospo, que coisa mais esquisita. Deveriam ter se encontrado. O ideal é que pudessem se conhecer ao vivo. Quem sabe a ilusão não seria tão "ilusão" e o "Eu te amo!" pudesse ter um sentido mais real, mais significativo. Por acaso o seu amigo preferiu permanecer na ilusão?
—Os dois preferiram assim, na ilusão da tela.
—Historinha mais boba, Rospo, sem final feliz.
—Mas ilustra que a ilusão vicia.
—Rospo, mas, mesmo sendo ilusão, não é melhor que os sapos e as sapas vivam dizendo isso? Se o mundo inteiro pudesse viver dizendo: "Eu te amo!" só de ilusão, a vida, e o próprio mundo seria bem melhor. Talvez o que falta é investimento intensificado para que esse "Eu te amo!" se torne mais palpável, mais real, mais presente. Vamos glorificar o "Eu te amo!", vamos torná-lo mais inserido em nossas vidas, ainda que de forma ilusória.
—Quem disse que eu discordo disso? O que faltava era mesmo esse "toque Sapabela"...
—Que toque, Rospo?
—A de que falta investimento.



HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 765
Marciano Vasques

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