quarta-feira, 6 de junho de 2012

AS AMIZADES DO SAPO

—Sapabela, lembra de quando nos conhecemos?
—Claro, Rospo, como poderia esquecer? Você fez um escândalo quando me viu saindo da floricultura.
—Foi a primeira vez que vi uma flor fugindo da floricultura.
—Seu bobão.
—Verdade, Sapabela. Não é todo dia que se encontra uma flor andando.
—E aquele dia na loja de brinquedos? Você saiu berrando, fazendo um escarcéu, alvoroçando a criançada que estava lá.
—Também pudera! Eu tinha que gritar. Jamais havia visto uma boneca que andava. E para as sapinhas aquilo era uma novidade e tanto. Além de andar, era tão charmosa e elegante...
—Pois saiba que jamais serei boneca. Viu?
—Naturalmente, Sapabela. Eu só queria chamar a sua atenção.
—Precisava tanto barulho? Não poderia ter se aproximado de um jeito assim, mais discreto, mais suave? Mais cavalheiro? Um olhar, um sorriso.
—Talvez tenha razão.
—Claro, a cidade inteira se ajuntou naquela calçada em frente à floricultura.
—Mas você me deu atenção.
—E tinha outra opção?
—Mas a nossa amizade nasceu. E hoje fico pensando: ela não morre, não é?
—Amizade não morre. Não está em seu estatuto morrer.
—Será?
—Quando morre, é porque não era amizade.
—Mas pode ter uma falsidade, uma traição. Lembre-se: só o amigo trai.
—Acontece que a amizade não residia nos dois corações. Um era amigo, e o outro não.
—Amizade hoje é artigo de luxo, não é?
—Está surgindo um novo conceito de amigo...
—Sei, nas Redes Sociais.
—Rospo, você é saudosista?
—Não, não exatamente, Sapabela. Apenas preservo o que é bom demais, aquilo que precisa ser preservado. Assim é nas artes, na Música, na Literatura, e também as amizades.
—É verdade, suas amizades duram em média duas ou três décadas. Tem umas de quatro décadas.
—Algumas duram desde que eu era um sapinho.
—É?
—A amizade com o riacho, com os bichinhos, com...com o gibi, com a Lua... Aliás, com a Lua selei um pacto de amizade na noite de julho de 1969. Naquela noite compreendi que a Lua seria sempre, através dos tempos, a "testemunha tão vulgar", dos poetas, dos amantes, dos namorados... E continuaria a encantar os sapinhos, quando surgisse, de queijo, na vidraça da janela... ou na página de um livro infantil...
—Mas estou falando das amizades com os sapos.
—Essas realmente já duram três décadas, em média.
—Coisa boa. E a nossa continua numa fortaleza.
—Fortaleza?
—É, numa casa azul.
—Yupiiii!

HISTÓRIAS DO ROSPO 2012    — 789
Marciano Vasques


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