quinta-feira, 7 de junho de 2012

CHOCOLATE E ANIS

—Sapabela!
—Rospo! Que alegria vê-lo, e que frio!
—Frio e chuvisco, Sapabela, isso pede um chocolate quente... na manhã, e um vinho à noite.
—É mesmo! Bem, estamos na manhã.
—Topo!

—Rospo, a vida é uma maravilha diante dos nossos olhos. Somos privilegiados por esse encontro.
—Para aonde estava indo, Sapabela?
—Para o nosso chocolate. Nenhum encontro acontece ao acaso, nem mesmo no ocaso.
—Sapabela, gosto de brincar de jornalista.
—Você não brinca, você é, meu amigo.
—Vamos fazer uma brevíssima entrevista?
—Vamos, posso começar com a primeira pergunta?
—Não, sou eu que vou entrevistá-la.
—Então diga, meu rei, mas, por favor, só quando chegar o chocolate quente.
—Você ama alguém, algum sapo?
—Rospo, você sabe, eu sou bem estabanada e já andei metendo os pés pelas mãos e faço uma algazarra em meu coração.
—E então?
—Para mim o momento é o agora, sempre, adesso, compreende?
—Sim, o momento vivido é aquele que realmente importa.
—Sim, nessa coisa de amor, sou meia atrapalhada, mas, acredite, amo intensamente, sempre.
—É romântica?
—Como você, igualzinho.
—Compreendo.
—Sou meu próprio caleidoscópio, sou a minha própria reorganização permanente. Sei que nem sempre as coisas são como queremos, mas não abro mão de algo: somos, cada um de nós, o desejo. É o desejo que nos move a vida, que organiza o rosto do universo. O sapinho que quer um brinquedo, um sorvete, a sapinha, um brinquedo. Todos os brincos são especiais quando se tornam desejos. Assim é a minha palavra argentina.
—Não se usa mais esse termo, palavra pratinha, caiu do vocabulário. Nem faz parte mais da memória popular.
—Eu sou desejo!
—Estávamos falando de amor.
—Bem sabe, meu amigo provocador, que são inseparáveis. Aliás, amor e desejo são mais do que irmãos.
—É verdade. A amplitude do desejo é uma imensidão. A palavra é altamente semântica.
—Depois do chocolate quente, anis.
—Licor?
—Pensei num drops, mas o frio disse licor.
—Sabe, Sapabela, você é estabanada, é uma sapa feliz, alegre, de bem com a vida. Você é feliz?
—Absolutamente. Sou um temporal radiante de alegria. Um risco fulgurante de anterozoides cortando o azul, sou uma constelação de espantalhos resplandecentes. Sou a alegria de participar da vida. Participo de tudo, desde a hora em que sou brindada.
—Brindada?
—Acordar, Rospo, despertar! Isso é brinde, um brinde que recebemos a cada nova alvorada. Sou integralmente eu, com meus anseios, minhas paixões, meus temores, e minhas explosões de alegria. Estou na poesia, no verso cortante, e na glorificação da vida. No mais puro canto de amor, nas confissões dos amantes, no sorriso autêntico de cada adolescente, e na voz do sapo que amo em segredo.
—Mesmo se o coração está sofrendo?
—Principalmente assim. Sempre que estou em apuros de mágoas, de ressentimentos e de dores no coração, recorro ao mais eficaz remédio para me curar, e sigo em frente.
—Que remédio?
—Eu, a Sapabela! Sempre procuro por mim, e então, ela me devolve a alegria, e sigo em frente. Você sabe, minhas roupas não combinam, sou estabanada, sou até atrapalhada, mas sou tão feliz, que só posso gritar a minha gratidão: Um beijo, Sapabela. Obrigado!
—Você é um amor.
—E tem mais: tomar um chocolate quente e um licor de menta numa manhã chuvosa de sábado com um amigo é tudo o mais. Não abro mão disso.
—Anis, meu bem.
—Menta é uma sugestão para o próximo encontro. Você sabe, minha propaganda subliminar é sempre por demais explícita.
—Eu também agradeço a Sapabela que há em você, querida. Já leu o jornal hoje?
—Ainda não. Vamos buscá-lo? Aqui na galeria tem uma banca.
—E, só pra terminar, e se o amor não deu certo?, e se  você não se sentiu correspondida?
—Rospo, meu querido. Príncipes também são puras circunstâncias. Quem disse que o amor não dá certo? Ele sempre dá certo! Ele goteja o seu brilho na sutileza da vida. A vida tem duas almas: ela é brusca, mas é delicada, tudo ao mesmo tempo. Essa é a graça do artista, o artista que somos, o que viceja em cada um, desde que éramos garatujas do sentir.
—Como assim; o amor sempre dá certo?
—Ele apenas nos diz: tudo irá se ajeitar.
—Muito bem. O que lê primeiro no jornal?
—Os quadrinhos, naturalmente. Depois, a programação do cinema...
—Cinema? Yupiiii!
—Qual filme, Rospo?
—Hoje é você quem escolhe.
—Sempre sou eu quem escolhe.
—E sempre acerta. Mas, só um detalhe. Hoje não é sábado. É quinta, feriado.
—Rospo, chocolate quente, licor de menta, quer dizer, anis hoje, um amigo jornalista, que brinca de ser o que é, vasculhando a minha alma inquieta, essa alma de arlequim, de girassóis, é tudo de sábado. Que hora o cinema?
—À tarde.
—Jornaleiro! O jornal de sempre. Rospo, o filme é sobre Violeta Parra.
—Ler o jornal ao seu lado? Yupiiii! Violeta Parra? Yupiiii!
—Rospo, esse Yupiiii! Yupiiii! está me levando pela vida afora.




HISTÓRIAS DO ROSPO 2012    — 790


Marciano Vasques

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