sexta-feira, 8 de junho de 2012

FALANDO DE RALACIONAMENTOS

Rospo encontra uma amiga.
—Rospo, não consigo me entender com meu namorado.
—O que não acontece?

—Perguntou errado, Rospo. Deveria ser "o que acontece?".
—Pois que seja.
—Ele quer controlar a minha vida.
—Terá que resolver com ele.
—Não dá. Ele nem me ouve. Só vive falando de si.
—Às vezes, quem não tem, fala.
—Não entendi.
—A falta de conteúdo, em alguns casos, força o sapo a se expor mais numa falação de léguas. Quer enfiar goela abaixo dos ouvidos o seu currículo. Lembro-de que quando participava do movimento literário alternativo...
—Cuidado com o que vai dizer, meu querido!
—Tinha uns colegas que publicavam nas revistas alternativas imensos e quase intermináveis currículos, nos quais, entre outras coisas, às vezes apareciam dezenas e dezenas e dezenas de entidades às quais eles participavam...
—E daí? Sempre ajuda, não é?
—Outros faziam diferente.
—Como faziam, Rospo?
—Publicavam poemas inéditos, contos. Faziam. Não desprezo o falar de si, mas sempre me apego ao ditado alagoano, "O Feito Fala".
—Vamos voltar para o meu namorado?
—Volte você.
—Você me faz rir, Rospo.
—Talvez esteja precisando disso. Rir. Rir sem parar. O riso é o maior terapêutico da alma. Se você rir de gargalhar e se deixar levar pelo seu próprio riso, quando estiver à sós, ou com uma amiga ou um amigo...
—O que tem, Rospo?
—Irá perceber o que falta em sua vida, ou melhor, irá perceber "o que não acontece" em sua vida com o namorado. Não acredito, sinceramente, em nenhum ralacionamento em que não faça parte o riso, o riso autêntico, o riso farto, o riso gostoso, de leveza explícita...
—Você falou errado, meu amigo. Não é ralacionamento.
—No seu caso é. Um relacionamento em que um atrofia o outro, que tenta anular a potencialidade do outro, em que esmaga a alegria genuína que cada ser possui, não é um relacionamento. É um ralacionameno, em que um rala o outro.
—Rospo, devo me separar do meu namorado?
—Nem um psicanalista deve responder isso de forma explícita.
—Está um pouco atrevido hoje, Rospo. Mas se ninguém pode me responder, como poderei agir?
—As respostas estão em você. Se considerar que seu "relacionamento" esmagador é benéfico, tudo bem, se considerar que ele está bloqueando e impedindo o seu inalienável direito ao riso, deverá saber o que fazer.
—Muitas sapas sofrem...
—Muitos sapos também, não se esqueça. Prossiga.
—Pois bem: muitas sapas, ou sapos, sofrem, mas não deixam o parceiro. Isso é masoquismo.
—Talvez falte o essencial. Uma conversa consigo mesmo. O tal mergulho. As coisas são simples, as convenções são seculares. Dois mil anos de sedimentos, de sedimentação, não se removem de uma hora para outra.
—Obrigado, Rospo. Vou ter uma conversa séria com ele.
—Espere um pouco, menina. Vai pular a primeira conversa?
—Não entendi.
—A conversa com você mesma, lembra?
—É mesmo! Você tem razão. E sua amiga, como vai?
—Sapabela? Moça! Temos um sorvete às dez horas. Tchau!
—Corra, Rospo! Se ela ficar brava por causa do atraso, diga que foi por uma boa causa.
—Ela não ficará brava, minha querida.
—Uma última coisa: devo procurar um lago, para me isolar?
—Por qual motivo?
—A conversa comigo.
—Pode ser caminhando na calçada, no ponto de ônibus. Onde quiser.
—Meu namorado vai ver!
—Sapinha. Deixe a armadura em casa, e vá para essa conversa com a alma cristalina, límpida, translúcida. O sol sempre vence.



HISTÓRIAS DO ROSPO 2012    —791
Marciano Vasques

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