COANDO O CAFÉ
—Rospo, que saudades!
—Eu também, querida
amiga.
—Que tal uma
conversinha?
—Que papo é esse,
Rospo? Nossas conversas sempre foram regadas com sorvete, Sempre deu
picolé na cabeça. E foram conversas com versos. Não entendi esse
negócio de “coar o café”. Aliás, é bom lembrar: você nem
toma café.
—“Coar o café” é
uma expressão que significa: preparar os grãos...
—Que grãos?
—Os grãos da
conversa.
—É uma expressão
antiga?
—Não sei, nunca
ouvi.
—Além de não tomar
café, também não toma jeito, meu amigo.
—“Coar o café”
me traz de volta na memória os dias avarandados...Quando as
conversas se entrelaçavam quintais afora, e o vilarejo se unificava
num saber que transbordava de delícias e aromas. Uma conversa ficava
marcado pelas gostosuras que a generosidade da amizade ofertava.
—Rospo, o tempo
mudou. A conversa nem mais existe nas grandes metrópoles... E quase
nem tem doces caseiros...
—Já viveu na cidade
grande, Sapabela?
—Está mais maluco,
Rospo? Nós vivemos na cidade grande. Será que não reparou?
—O importante é
extrair as belezas da cidade grande e usufruir ou introjetar o que
ela de bom e de abrigo nos oferece quando nos acolhe, mas, acredite,
minha amiga, jamais permiti que a cidade grande me invadisse com
algumas de suas vontades contemporâneas, como a velocidade. Não me
sinto tão necessitado de velocidade...
—Mas vive correndo
contra o tempo, e cumprindo horário...
—Um sapo só é feliz
quando viver intensamente o seu tempo, sem correr contra...O tempo
não é um adversário do sapo...
—Mas o sapo pode
transformá-lo num adversário, basta desperdiçá-lo. O tempo não
perdoa o desperdício. Veja a nossa sociedade aqui no brejo. É a
sociedade do desperdício, e essa prática se estende ao tempo. Horas
diante da tela da tevê é uma forma de desperdício...
—Assistir a um filme
ao lado da amada sapa, isso não é um desperdício...
—Não, isso é um
investimento. Desperdício é permanecer horas sem critério...
—Horas criteriosas
não podem se transformar num rigor desnecessário?
—Rospo, o rigor das
horas criteriosas é o rigor amoroso. Não há nenhuma relação de
coronel entre o sapo e o tempo quando o rigor é amoroso. Rigor
consigo mesmo, ao selecionar os benefícios do tempo bem assimilado e
vivido é o maior bem que o sapo a si mesmo promove.
—Sapabela, tem sapo
que costuma dizer que não tem tempo para conversa...
—Esse sapo necessita
de harmonia. Harmonização. Assim que ele compreender as suas
próprias necessidades urgentes, estará preparado para o rigor
amoroso consigo mesmo...
—A época está
solta, os valores estilhaçados... Tudo parece perder o sentido... A
ética encabulou-se na Política, na rota do poder pelo poder...
Tornou-se miúda, aos poucos evaporou-se. Tudo parece piorar,
Sapabela...
—É só impressão,
Rospo. Sapos edificam neste exato momento a consciência da
necessidade do rigor amoroso para consigo, e esse é o patamar, o
parâmetro essencial para uma sociedade melhor...E pode acreditar,
você está certo. Tudo pode começar no gesto de coar o café...
—Lembro-me de quando
era um sapinho. Meu pai discutindo sempre com algum amigo para ver
quem pagava a passagem do ônibus. Havia um aroma, um fluído de
gentileza no ar, e também, não havia uma só conversa em que o
convite para o cafezinho não existisse, e a briga “entre aspas”
para quem iria pagar o próprio. Amizade era repleta de cortesias...
—As mudanças sociais
geradas pela insensatez dos poderes econômicos, que esmagam os sapos
e as alegrias, estão a demolir as coisas essenciais, que sempre
vigoraram na simplicidade... Pois é nela que o que de fato importa
sobrevive e ganha vulto...
—Pois é, assim é.
—E assim se torna
mais urgente coar o café, preparar os grãos da conversa, que , quem
sabe, voltará a ser estendida entre os varais dos vilarejos...
—Rigor amoroso às
vezes solicita o abandono por algumas horas do controle remoto, por
exemplo.
—Horas criteriosas,
viva cada uma delas. E a nossa poderá começar agora, num sorvete.
Afinal hoje é sábado.
—É mais do que
sábado, Sapabela. É dia de Bienal.
—Aceito. Que hora nos
encontraremos no metrô?
—Yupiiii!
—Nossa, Rospo! Que
alegria!
—Adoro coar o café.
HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 812
Marciano Vasques
Passando para deixar um abraço fraternal e desejando um fim de semana com harmonia.
ResponderExcluirNicinha