segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A DESEJABILIDADE DO TEXTO

—Sapabela, luz florida!
—Que empolgação, Rospo! Parece que está feliz...
—Estou, nega. Estou diante da desejabilidade, nela me debrucei manhã afora...
—Manhã afora eu gostei.

—Sim, diante da desejabilidade nós viajamos. Ao mesmo tempo em que introjetamos a manhã, nos pirilampeamos nela... Efusividades de distâncias...
—Vamos nessa, vamos nessa, mas, que tal desejabilidade é essa?
—O texto, querida. Quando você está lendo, está traçando o seu passeio no texto, você está diante da desejabilidade, pois afinal o texto é pleno de desejos, e o seu maior desejo é ser lido...É como o desejo da flor diante do colibri. Assim é o texto. Pleno de desejabilidade, e quando o leitor sacia..., aliás, isso é deveras impossível, pois um texto é de tal riqueza que sua capacidade de interpretação é camaleônica, ou melhor dizendo: ele cresce com você.
—É mesmo, Rospo?
—Sim, a sua desejabilidade é permanente. E quando você retorna ao texto tempos depois, ele cresceu, pois afinal  é o lago do espelho do leitor... Quando o texto cresce ele está sinalizando o crescimento do leitor. O olhar se amplia, o seu raio purifica-se numa estonteante dimensão. Há um namoro entre o leitor e o texto que é insolúvel. Não é o texto insolente... Ele apenas espera pelo leitor, pois o leitor é o ser fecundo que a ele dá sentido...
—Nossa, Rospo! Com você a minha vida é um aprendizado contante...
—A vida é o fluir do aprendizado, quando a vida não mais se tornar ou se traduzir como o eterno aprendizado, o sapo perdeu o próprio sentido da existência. Por isso, Sapabela, fomos dotados com o mais sublime dos atributos: a curiosidade.
—Em frente, por favor.
—A curiosidade é a mãe da ciência, a deusa do texto... E às vezes me ponho pensando na ausência de curiosidade na mente de alguém. Mas vale ficar horas olhando o vagar de um saltitante gafanhoto nas andanças dos verdes, do que nublar os olhos ensaboados de rotina...
—Mais, Rospo, mais. Fale dessa ausência de curiosidade.
—A ausência de curiosidade faz com que o sapo ou a sapa viva se corroendo de curiosidade infrutífera.
—Como é isso?
—Curiosidade pela vida do outro, não no sentido de participar da edificação de tal vida, mas de fuxicar, remexer, fofocar, criar falsos deleites...
—Rospo, meu cavalheiro, fico feliz por saber que sou plena de aprendizagem, e também sempre me pego diante da desejabilidade, pois afinal tanto gosto de ler, e aprecio o texto como um fruto que me furta a paz... Um chamariz de constelações fecundas... sendo que sou eu quem fecundará sempre... Quando o autor escreve um texto, ele espera pela fecundação do olhar do leitor.
—Entendeu agora a "luz florida"?
—Você é danado, amigo. Estou bem feliz por ser sua amiga e participar desta fusão.
—Que fusão?
—Entre a desejabilidade e a fecundação.
—Desconcertante, amiga. Mas, hoje é o dia da Lua... Vamos alvorecer num puro licor de anis...
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
—Isso sou eu, Sapabela!
—É mesmo! Sou tão distraída!

HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 842
Marciano Vasques

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