domingo, 2 de dezembro de 2012

NO CAMINHO DA PADARIA RUBI

—Rospo!
—Sapabela, toda florida!... Que bonito vestido. Saudades!

—Eu também, meu amigo. Tomei uma garapa geladinha e pensei em você...
—Por causa da cor verde da garapa?
—Não! Por causa de nossas conversas, a doçura que elas destilam...


—Menina! 
—Gostei, meu nego.
—Sapabela, noutro dia você comentou que gostaria de falar um pouco sobre esse papo de se viver em retidão.
—Sim, viver em retidão, sempre. Mas, fale um pouco sobre isso...
—Não importa o que fazem os partidos políticos, os grupos, nada importa, cada um de nós tem sim que viver em retidão, e isso não deverá ser uma promessa para ninguém. Isso é apenas o sentido da vida... Cada qual faça da sua vida o que quiser, mas precisa saber que ela é única e curta.
—Mas como é exatamente isso? Sapos religiosos poderão dizer que isso é coisa lá...
—Sim, eu sei, e também poderão acreditar, alguns, que viver em retidão seria, entre outras coisas, negar os prazeres da vida e as alegrias do mundo... Nada a ver...
—Inclusive, penso agora, viver os prazeres e as alegrias da vida e do mundo seria a mais sublime recompensa para uma vida em retidão...
—Está chegando lá.
—Viver em retidão é viver eticamente, sem reservas e sem vacilar... Isso é possível no plano individual, porém no coletivo é mais complicado... Retidão é algo do indivíduo, e claro que poderá ter e terá reflexos no coletivo... Porém, ele não deverá buscar tal procedimento, tal forma de vida no coletivo...
—Rospo, isso que você está falando é muito forte...
—Verdade, por isso é consistente... 
—Rospo, tem algo que despertou a minha atenção!
—E por acaso ela alguma vez esteve adormecida?
—O caso do Sapo que governou o brejo ter uma amante...
—Ter amante é direito universal inalienável do Ser, Sapabela. Deveria estar garantido em todas as constituições... É tão intocável como ter um companheiro, um namorado...
—Rospo, nunca pensei sobre isso.
—Nem eu. Estou pensando agora.
—Prossiga.
—É um assunto simplesmente totalmente particular, absolutamente pertencente só ao sapo ou a sapa, ou seja, só aos envolvidos. Sendo assim, todos podem ter, se assim quiserem, o seu amante, a sua namorada, a sua namorante, o seu parceiro. Ninguém tem nada com isso, e jamais deve conversar sobre isso, ou seja, transformar a decisão de dois seres de se amarem em assunto público ou de roda de conversa...
—Concordo na plenitude, amante é assunto particular, individual. Quando o sapo que governou o brejo comentou que não responderia sobre assunto particular, ele estava certo, pois amante é assunto estritamente privado, a ninguém interessa. Não é de interesse público. É absolutamente particular.
—Nem sempre.
—Pronto...
—Acontece, Sapabela, que quando ter um amante envolve benefícios com o dinheiro público, desvios, privilégios, corrupção no poder público, e coisas assim, ter um amante deixa de ser algo privado, não é mais particular... Aliás, não se deverá, em  hipótese alguma transformar em roda de conversa a intimidade dos envolvidos, isso não, isso só pertence aos três...
—Três?
—Ou quatro...
—Entendi, mas, continue...
—A intimidade, o amor, a privacidade, isso em nada importa, não é mesmo da roda... O que deve ser de clamor do interesse público é exatamente o que esse esse envolvimento trouxe em termos de desvio ético...
—Entendi...
—Você é ligeira.
—Sou sapa, não é, amigo?
—Pois?...
—Pois então é isso... Se o envolvimento não está no plano da vida em retidão, se favoreceu o desvio ético, na política e na cidadania, então, isso sim, isso deverá ser esmiuçado e se tornar do clamor do interesse público. Só isso, o resto não: como os dois viveram na intimidade e na privacidade do amor deles, isso não deverá despertar um só interesse público.
—Está bem, Rospo... Gostei dessa conversa.
—Falando nesse assunto de namorantes, namorados, amantes, parceiros, que tal um licor de anis?
—Rospo, que tem isso a ver? Somos amigos! 

—Eu sei, linda, sapo brincando apenas. Vamos à padaria Rubi? Aceita um...
—Aceito!
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!

—Tem jeito não, você não esquece isso.
—Sapabela, veja que entardecer lindo. Viva o Domingo, que pede amizade, conversa, risos, abraços...
—É verdade, Rospo, o domingo que se tece ao amanhecer começa num abraço e pode terminar num licor de anis, mas... O entardecer não está lindo... O céu está nublado.... Não está vendo?
—Isso não tem a mínima importância, querida. Pode fazer frio, céu nublado, chuvisco e chuvarada, nada disso importa. O entardecer está dentro de cada um...
—Aliás, todos os reinos, o amor, a elevação espiritual, a glória nas alturas, tudo está em cada um... O que ocorre é que estamos dentro da mais difícil das viagens...
—Diga...
—A viagem para dentro de si.
—Verdade. Chegamos. A padaria Rubi está linda, já vejo as luzes do Natal... Que conversa boa!... Sempre digo, conversa fiada não interessa. Conversa se paga na hora, preferencialmente com verso. Isso, conversa com verso...
—Rospo, posso dizer algo?
—O verbo Poder não se aplica ao dizer... Boca é da voz.
—Da voz, do beijo, do sorriso e da mais linda catacrese... O céu da boca...
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
—Rospo, estamos na padaria!
—Foi inevitável.
—Com licença, seriam dois licores de anis?
—A garçonete já nos conhece mesmo.

—Pena que estou trabalhando, e não posso ouvir a conversa...
—Mas poderá ler, na blogosfera ou na Rede...
—Já retorno com as taças...
—Só quem tece merece a taça...
—Que bonito, Rospo... Viva a retidão! Viva o domingo!... 
—E não se esqueça: o céu pode estar nublado, isso nada importa, o que vale é que o domingo esteja em você, dentro de seu coração...
—Eis um lugar que não está nublado, Rospo.
—Eu sei, Sapabela, você é a festa de viver. 

HISTÓRIAS DO ROSPO 2012  — 843
Marciano Vasques

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