terça-feira, 1 de janeiro de 2013

ANUNCIANDO A DESINTOXICAÇÃO

—Desintoxicar a alma. Urgente! Nova modalidade: 2013.
—Rospo, aonde está indo com essa tabuleta? Por acaso está vendendo algum produto? Algum elixir? Um livro novo?
—Não estou vendendo nada, Sapabela. Estou apenas anunciando...
—Desintoxicação da alma? O que é isso?

—Ora, amiga! O corpo se intoxica pelo súbito consumo de algum alimento impróprio... A alma, a mente, é também assim. Um música de qualidade decadente, uma conversa vulgar, uma piada rica de estereótipos, um frase maledicente, um sentimento negativo... É a coisa mais fácil intoxicar uma alma. Já tentou?
—Eu, Rospo?! Leio bons livros, vejo bons filmes, ouço aquelas canções e converso com um certo sapo...
—Pois a chegada de um novo ano é propícia para se desintoxicar a alma. Nunca soube disso?
—Ora, amigo querido. Como já conversamos, a virada do ano é simbólica, nada mais é do que o recomeçar de uma translação... O último dia de dezembro é apenas uma convenção...
—O que mais precisamos é de simbolismos, querida. A chegada de um novo ano representa uma eterna revisita aos valores ancestrais, estamos pois diante do eterno retorno. O eterno recomeço: Isso é a translação. A plantinha que não resistiu ao vendaval se foi, mas noutro canto a dourada polinização do tempo já nos diz que uma nova plantinha está nascendo para a alegria da Natureza. O coração é um arlequim, com seus losangos brilhantes...
—Nossa, Rospo!
—No recanto mitológico de nossas mentes, onde medram os mais necessários motivos, temos que nos orientar e promover essa desintoxicação.
—Para você certas coisas são referências mitológicas.
—Sempre. E devemos ser felizes por cada decisão. Para isso temos que enfrentar os mais terríveis desafetos. O nosso coração irá festejar a chegada de um novo tempo, se por acaso as janelas forem abertas... Cada decisão, por mais simples, é como uma tarde de chuva leve que lava a memória e a saudade que sentimos... Nada somos diante da imensidão, mas ao mesmo tempo, somos a grandeza do universo, em cada grão, em cada pólen, em cada coração. Transitamos entre Buda e Espinosa. Jamais devemos desprezar ou sequer esquecer as vozes de todas as vozes, que é o sussurro do contador de história. Ele nos alerta como se fosse um simples miosótis à beira da estrada, como se fosse aquela estrela mais distante, como se fosse o barco nas espumas agitadas de um entardecer fabuloso.
—O novo tempo nasce em cada um...
—Alguns mestres já ensinaram isso. Todos os reinos estão dentro do próprio Ser...
—Rospo, felizes os que tomarem a decisão de desintoxicar a alma. Organizar a faxina, Garimpar os segredos mais preciosos... Zelar pelos amigos verdadeiros... Velar pela poesia... 
—Sim, e o ano que agora começa clama pela nossa audácia.
—Que audácia, querido?
—Ser feliz! Esse é o atributo essencial de cada um.
—Ser feliz passou a ser atributo?
—Atributo da alma do universo... Que cada um carrega em si, que está em cada um da mesma forma que no mais distante astro...
—Rospo, quero abraçá-lo, bem forte...
—Eis alguém que sabe começar bem o ano. Esse abraço é o que mais quero.
*****
—Querido, nosso abraço está longo demais.
—A lonjura do abraço é imensurável. O abraço é longo com gosto de infinito.
—E você gosta, não é, meu amigo? Está me parecendo um papinho de cartola, aquele sambista do morro antigo.
—Sapabela, não posso ficar falando durante o abraço, não pode se esquecer de que o abraço é o substituo da palavra. Quando você abraça, você diz tudo o que as palavras não ousam.
—Então, vamos em frente.
—Que sapa!
—O que precisamos é "pendre la crémaillère".
—Essa eu sei! É mais ou menos assim: "Dar uma festa para inaugurar uma casa nova'
—Isso mesmo! E a casa sou eu, é você, somos nós: cada um é a sua própria casa nova, e a inauguração, para quem quiser, será sempre no momento mais propício: o agora!


HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 843
Marciano Vasques

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar neste blog