domingo, 7 de abril de 2013

O IMPIEDOSO CARGUEIRO

—Rospo!
—Sapabela!
—Que alegria! E tem uma conversa tinindo em mim. Posso começar? Prometo que não tomarei o seu tempo, amigo.
—Você jamais toma o meu tempo, querida. Ao contrário, me dá a oportunidade de compartilhá-lo com você...Mas, a conversa, por favor! Já estou esticando a corda, isto é, o barbante... que isso é próprio de conversa...
—Então, vamos lá: O que lembra, para você, Rospo, um Cargueiro?
—Carga, navio de carga. Carga pesada...
—O cargueiro da vida é implacável, impiedoso, imperdoável!...
—Prossiga, por favor!
—Não adianta "choro nem vela"...
—Vela?
—Sim, velejar, nem terá a chance...
—Do que está falando, querida? Nem tomou licor de anis hoje!
—Olha!...
—Brincadeira, prossiga.
—Rospo, o cargueiro da alma é formado por vários fatores, se me entende. Um dos pesos do "carregamento" é a arrogância intelectual.
—Fale disso! Fale disso!
—Sim, a arrogância intelectual por si só já quase enche o cargueiro...
—Poderia, minha sapíssima, dar um exemplo?
—Darei dois.
—"Ela é demais!"
—O que pensou?
—Esqueça, por enquanto. E dê os exemplos, por favor...
—Um poeta escreveu-me uma carta e nela ele disse algo chocante.
—Sim?
—Que você nem deveria lutar pela sua carreira literária se não tiver a chancela acadêmica...
—Como é?
—Só com a chancela acadêmica um poeta tem a chance de se perpetuar, ou de passar para a história da Literatura. Para esse meu amigo, só com citações em trabalhos acadêmicos você terá a chance de chancelar a sua arte, a sua escrita. Fora da Universidade não tem validade, sem o reconhecimento da Universidade nada feito, disse ele...
—É?
—Hoje ele está na Rede Social...
—Dê o segundo exemplo.
—Outro amigo me escreveu que devemos todos lutar pela cultura erudita, na qual ele transita com a sua produção...
—E daí?
—Referiu-se aos quadrinhos como uma  manifestação de uma forma de lixo que é a tal cultura de massa, algo assim...
—Nossa! Que erro grave! Pois nos quadrinhos encontrei a mais pura arte nos traços de nanquim, em obras como a de Harold Foster, a de Alex Raymond, e outros tantos, e aqui no brejo, Júlio Shimamoto, e também tantos outros... Nada enriqueceu tanto a minha estética quando sapinho como esses artistas e suas produções...
—Além da arrogância, também o preconceito...
—Geralmente esses dois andam de mãos dadas.
—Que nada! Eles se beijam na boca!
—São assim tão íntimos?
—Eis um caso em que dois formam um. Arrogância e Preconceito.


ROSPO 2013    — 865
Marciano Vasques






Um comentário:

  1. Ao passar pela net encontrei o seu blog, estive a ler algumas coisas e posso dizer que é um blog fantástico,
    com um bom conteúdo, dou-lhe os meus parabéns.
    Se desejar faça uma vista ao Peregrino e servo e deixe o seu comentário.
    Sou António Batalha, do Peregrino E Servo.

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