segunda-feira, 6 de maio de 2013

FAMINTOS FANTASMAS

—Fantasmas são famintos. Não ofereça a eles um banquete, um banquete chamado você, a sua alma.

—Que papo é esse logo no dia da lua, Rospo? Falar em fantasmas logo na segunda-feira!, nós, que lidamos com coisas tão reais, como pagar impostos nessa sangria oficial, pagar juros, pagar pesadamente por ter que ler no noticiário tanta insensatez que merecíamos uma indenização mental, pelo mal que tanto causam... Ainda bem que nos protegemos com as conversas, a leitura de um livro... Mas... que fantasmas famintos são esses, Rospo?
—Famintos e gulosos!
—Pois diga, estique a corda. Faça de nossa alvorada um bonito cordel.
—Isso é pleonasmo, amiga. Não vi cordel feio até hoje.
—Mas vamos aos fantasmas, os famintos, e a história do banquete. Eu nem licor tomo com um fantasma, Rospo!
—O banquete são os temores, infundados, ou não, são as incertezas permanentes, as indecisões, o medo discrepante de sua alma arrojada, o banquete são as agruras interiores, e também a aspereza da falta de iniciativa. Fantasmas famintos se alimentam de medo, de temores, de desilusões, de indecisões... Afaste-os! O lugar deles é só na ficção e nas narrativas orais do folclore do mundo...Não os alimente! Não se torne evasiva nem vazia. Vá em frente, firme, sem temores...
—Continue!
—Continuo e conte nua.
—Está delirando na lira, meu caro amigo?
—Quis dizer que precisa se despojar para um conto, que é o conto ligeiro, o conto da vida... O conto em sua nudez revela a voz ancestral dos povos que não morrem. Revela quer dizer que novamente vela, velar é cuidar, viu, Rosa?
—Rospo! Você acordou com tudo!
—Fantasmas precisam de intrigas, de medos, de dissabores, de fragilidades... Estão esfomeados e comerão a sua alma se preciso for.
—Dê um exemplo concreto, e pode exagerar na literatura.
—Ora, Sapabela, aqui somos conversa...
—Conversa com verso!
—Sim. Pois então vamos lá: às vezes o melindre é malandro.
—Gostei. É apenas um jeito inconscientemente ardidoso de fazer empacar o que deveria ser. Que mais?
—Uma sapa sempre quer mais. Pois digo: às vezes se credita à mandinga ou outras ilusões aquilo que em vez de mandinga é alma mendiga, mendigo da alma. O sujeito é vazio e põe a culpa nos outros, inventa até inexistentes perturbações. Outros assumem de vez a "euforia do eu faria'.
—Euforia do eu faria?
—Isso mesmo! E vida se torna um palco de promessas não cumpridas...
—Que conversa boa. Isso é mesmo coar o café.
—É recolher os grãos, é semear as sementes. É tudo aquilo que se faz para afugentar fantasmas.

ROSPO 2013 —870

Marciano Vasques

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