domingo, 17 de abril de 2011

SAPABELA FALANDO DE PERDAS

— Rospo, o que seria viver a dor com sabedoria?...
— Dor?
— A dor de perder um ser amado. Quando se vai um sapo ou uma sapa de nossa família, por exemplo.
— Sapabela! Pleno domingo de Outono e lá vem você com essa conversa.  Mude de assunto...
— Fale só um pouquinho...
— Viver a dor da perda com sabedoria, se é que isso existe, é justamente viver a dor intensamente, como se deve viver as alegrias...
— Usar luto, usar roupa preta durante um período...
— Não, Sapabela, a dor não é ritualística. Eu me refiro a viver intensamente em seu interior, mas até, se for possível, esboçar um sorriso...
— Sim, a dor não deve ser espalhada, repartida...
— A sua dor é única. A perda de um ser amado estará alojada num canto de você que ninguém poderá ultrapassar...Você só tem uma coisa a fazer: transformar a  dor em lembranças floridas dos mais puros momentos ao lado do ser que partiu...
— Momentos que se perdem no emaranhado do labirinto do cotidiano...
— É, pode ser. Mas, vamos mudar de assunto? Afinal, veja, olhe para tudo. Lá está no azul a passear entre nuvens brancas e singelas, lá está naquele jardim e também naquele breve capinzal orvalhado, lá está no sorriso daquele sapinho e na elegância daquele vestido...
— Vestido?! Que vestido?!
— O seu vestidinho, Sapabela, que vem se juntar ao azul e à claridade de um domingo tão transparente para nos lembrar que é Outono...
— Rospo, viva o domingo de Outono! E esquece o assunto que comecei...
— Sapabela... Veja aquelas folhas que caem, são sopradas pelo vento, mas se você se aproximar do caule verá que minúsculos brotos estão nascendo... E assim é a vida...
— Eu sei, mas a dor da perda de alguém é insuportável às vezes...
— É sempre insuportável, Sapabela. Mas a gente finge que a suporta, pois a vida prossegue... Uma técnica para sobreviver é se acercar de crianças, quanto mais sapinhos ao redor...
— Mais barulho.
— Isso! Algazarras, alaridos... Nada aquece e renova mais o coração...
— A vida sem perdas teria graça?
— Sabe, Sapabela, temos dois tipos de perdas... Uma delas é aquela que se tornou inevitável a partir do momento em que chegou, e a outra é a que pode ser evitada, como, por exemplo, essa manhã de domingo... Abra as janelas do seu coração e de sua casa... Já pensou? Os raios desse domingo outonal entrando nos cantos da sua casa? Porém tem sapo que perde isso tudo, então essa perda, que muitas vezes é imperceptível, essa é mesmo de doer.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 531
Marciano Vasques
Leia em CIANO

Um comentário:

  1. Perda de nossos queridos é insuportável, uma profunda dor...Perceber a vida que pulsa ao nosso redor de momento a momento, outra dimensão. Temos que estar sempre atentos, com olhos de ver...Visitar a Casa Azul nos dá esse percebimento

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