domingo, 1 de janeiro de 2012

ESPÍRITOS QUE ANDAM

—Rospo, já se sentiu um guru?
—Um guri, Sapabela. Já me senti um menino.
—Isso já é faz tempo. Um guri com CPF.
—Também um gari.
—Gari?
—Dos astros. Um zelador das estrelas, do vasto universo, da translação. Um coletor dos resíduos da alma, salpicados nas interfaces, nos relacionamentos, equivocando amizades com farpas.
—Cintilante, meu caro amigo. O que percebo é que sempre está em paz consigo mesmo, e alegre. Por isso me sinto bem com a nossa amizade.
—Obrigado, Sapabela. É tudo tão simples.
—Quando se sabe.
—Sim.
—Lee Falk.
—É mesmo. Foi uma frase que eu li numa história de "O Espírito que Anda". Devia ter eu 14 anos.
—Pouco, Rospo, ele tem 400 anos.
—Sapabela, como sabe essas coisas? Pelo que me consta só leu Hello Kitty no gibi.
—Depois dessa gozação sua, Rospo, só a vontade de gargalhar, de rir três dias sem parar, que é assim que tem que ser.
—Claro que foi uma brincadeira. Mas como sabe essas coisas? Pelo que me consta não leu o"O Espírito que Anda".  
—Sabe, Rospo, quando descubro uma coisa que o faz feliz  passo a pesquisar, que é assim que tem que ser. O mundo seria melhor se todos fizessem isso. Ocorre o contrário quase sempre: Quando alguém diz algo diferente, por exemplo, algo sobre a antiguidade, sobre divindades, enfim, o outro alguém, em vez de pesquisar, de ler, de buscar o entendimento para o prosseguimento do diálogo, tende a se afastar o outro, pelo menos em intelecto.
—Sei como é. Mas por que fez isso, Sapabela? Para me agradar?
—Não em absoluto, Rospo, só em relativo.
—Entendi direito isso não.
—Quero dizer que fiz por ser sua amiga. E amigos precisam cada um compreender e tentar vivenciar a alegria e a felicidade do outro. Se tem você a alma de expansão universal, como posso ser sua amiga se não tentar compreender essa originalidade de apreciar Música Clássica e ao mesmo tempo boleros e guarânias? As leituras obrigatórias,  como as obras primas da literatura universal: um Borges, um Erasmo de Roterdã,  e outras tantas, e também, ao mesmo tempo, os gibis da sua infância e da sua adolescência? Ainda na música, a suma arte de um Chico, e as canções populares como a de Odair José, com sua "Cadê você?"? Rospo, quem é você? Ao ter essa resposta poderei amá-lo, pois assim é. A complexidade de se amar hoje está no fato de que o "conhecimento" se ausentou. Vivemos a época do triunfo da aparência, da imagem.
—Sapabela? Foi mordida pelo grilo falante enquanto dormia?
—Estou falando muito, querido?
—Aprecio isso. Feliz a Sapa que fala.
—Só não vale trivialidades. Embora cada um responde pelo seu universo.
— Universos  esbanjam quereres. Na chegada de um novo ano as sapas, e também os sapos, prometem sacrificios, e deixam de lado atitudes simples, como uma varredura na mente, uma faxina, um ensaboar nos porões mentais. Esse seria o verdadeiro sacrificio, simples, mas que depende de algo muito forte e poderoso: o querer.
—Então, Rospo, é assim mesmo. Se não estivéssemos no tempo do triunfo da aparência, da imagem, talvez pudéssemos mergulhar todos, cada um em si, para limpar geral, lavar com a água da fonte da poesia as nossas vidas, e retonar no ano que nasce, de forma intensa, no autêntico esplendor de ser.
—Não se esqueça, Sapabela:  aparência também é importante. Aprecio a beleza.
—Só que para você, Rospo, bem sei: a aparência externa tem raízes fincadas no mergulho interior. O Ser para você é completo. O que almeja não é impossível. Só requer o exercicio da virtude.
—Alguns talvez possam confundir o exercício da virtude com o desprezo pelos prazeres da vida.
—Equívoco que só interessa para algumas religiões. O exercício da virtude é viver em retidão, sem enganar ninguém, sem mentir... , bem, você sabe, é o manto, o escudo que o protegerá contra as corrosivas intempéries da vida. Você caminha também entre o que é falso. Tem que estar bem protegido. Tal proteção deverá ser içada do seu interior. Lá é o seu refúgio.
—Sapabela, depois de tantas coisas profundas que falou, eu a convido...
—Aceito!
—Ainda bem que ela veio.
—Ela quem, Rospo? Quem é Ela?
—É você, Sapabela. A mesma do ano passado.
—Cê é bobo, é, Rospo? Por acaso pensou que eu ia ficar em 2011? Fui bem esperta e pulei para 2012.
—Vamos ao sorvete, Sapabela.
—"Namorarte com a súbita luz do meu querer, no luar na chuva, nas estrelas que avisto no vidraça do meu apartamento. Enamorada hei de estar na absoluta sede de viver, nas carícias do seu corpo, dos seus braços que me enlaçam num sonho que elejo o mais discreto e o mais atrevido". 
—Que lindo, Sapabela. Um poema?
—Rabisquei ontem na madrugada.
—E memorizou?
—Cada poema memorizado agradeço algumas professoras que tive.
—A época mudou, Sapabela. A Educação se transformou. O tempo de decorar já se foi.
—Não é bem assim, Rospo. Em primeiro lugar, para mim: decorar sempre foi algo decoração. Em segundo lugar, os sapos de hoje, como os de ontem, decoram o dia inteiro.  De forma prazerosa. Sapos adolescentes sabem tantas letras de música que nem imagina, Rospo. Igual eu na minha juventude, uma decoradora de rádio, e de Long Plays. Jamais esqueci um verso sequer das músicas que decorei sem esforço: "Quero que vá tudo pro inferno", "Eu te darei o céu, meu bem...", "Vieram me contar que você diz que não me quer"...
—Olhem, Educadores, é bom dar uma espiada ou prestar um pouco de atenção na Pedagogia da Sapabela.
—Rospo, não me faça, ou melhor, faça-me rir.
—Três dias sem parar, de preferência.
—Tem mais "Espírito que anda" do que se imagina.
—Preferenciamente sem máscara.
—Rospo, um brinde à nossa amizade.
—Vamos então ao sorvete, para brindar.
—Querido...
—Eu?
—Pensei no "2012", mas você também.
—Yupiiiii!




HISTÓRIAS DO ROSPO 2012    —    757
Marciano Vasques

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