sábado, 21 de julho de 2012

SAPA NA FLORICULTURA, SAPO NA CALÇADA



SAPA NA FLORICULTURA, SAPO NA CALÇADA


Uma sapa chamada Sapabela, que trabalhava como florista, encontrou num ramalhete um bilhete:
—Se eu a conhecesse pessoalmente certamente por você me apaixonaria.
A sapinha se pôs pensativa:
—Só é possível o conhecimento pessoalmente. Conhecer é um grande verbo, talvez o mais profundo e o mais necessário de todos. É preciso conhecer para amar. Mas, será que esse “se apaixonaria por você” estará se referindo ao envolvimento entre um sapo e uma sapa? Ou poderá significar “Eu me apaixonaria pela delicadeza de ser que você é, pelas coisas do seu universo, eu me apaixonaria pela amizade que estaria brotando. Bem, de nada adiantará eu ficar pensando, pois afinal nem tenho ideia de quem deixou esse bilhete. Nessa floricultura só trabalham sapas, vou deixar pra lá.
—Então a bela sapa reparou que na calçada no outro lado da rua, estava um sapo parado.
—“Estranho, aquele sapo fica lá todos os dias, às vezes vem da Faculdade do Largo, às vezes da Praça do Povo... Quem ele estará esperando? Parece um cigano, um rapaz errante, um astro deslocado do eixo da translação. Quem será?
À noite, em casa, liga a TV para assistir ao telejornal. Uma notícia prende a sua atenção:
—SAPO AFIRMA QUE VIU UMA FLOR ANDANDO NO LARGO DA FACULDADE. SEGUNDO O SAPO, A FLOR SAIU DA FLORICULTURA E SUBIU A LADEIRA RUMO AO METRÔ”.
—“Sensacionalismo! Bem, tenho mais o que fazer”.
—No dia seguinte lá estava o sapo. Quando a Sapabela passou por ele ouviu um oi aquecido. Como é educada, mesmo sendo um estranho, respondeu com um sorriso e apressou o passo. Mas teve que se voltar ao ouvir um estrondoso Yupiiii!..
—Espere um pouco! Você se parece com alguém que eu vi ontem na Televisão! O tal da flor que anda...
—Sou eu mesmo.
—Você é maluco?
—Aceito.
—Aceita o quê, Sapo?
—O futuro convite que virá para um chocolate mentalizado...
—Com licença, que preciso ir, meu horário de entrada já deu. Como adivinhou que gosto de chocolate mentalizado? Isso não importa. Preciso mesmo ir.
—Sei, as outras flores não podem esperar.
Já no trabalho, Sapabela pensa: “Será que foi ele que colocou o bilhete no ramalhete? Se for, um dia terá que me explicar esse negócio de ' Por você me apaixonaria' Do que estou falando? Não tenho nenhum interesse em ter amizade com esse sapo pirado”.
Ao entardecer.
—Lá está ele novamente com uma placa. Entendi, deve ser um desses vendedores, ou desses sapos que anunciam empregos ou compra de ouro...
Então, ela lê a placa.
—TRADUTOR DE BILHETES
—Pronto, é ele mesmo! Mais um maluco ou algum galanteador, porém confesso que pelo menos é original.
Ao final do expediente, passa novamente pelo sapo.
—Com todo o respeito, mas você não tem nada que fazer?
—Temos.
—Temos? Você é mesmo maluco! Amanhã é sábado, e a floricultura não abrirá. Portanto, tchau! Vai ficar aí parado? Eu disse: amanhã é sábado!
—E ainda por cima, só fala palavra mágica.
—Vou deixá-lo falando sozinho...Tchau!
Enquanto a Sapabela sobe a ladeira, no fremir de seu pensamento, uma gangorra.
—Qual será o seu nome? Pare com isso, Sapabela! Esqueça. Que importa quem seja? Afinal, não temos nada em comum. Será? Bem, vou ao sábado. Uma sapa não faz isso, mas a cidade não irá reparar se eu olhar para trás”.
Ao virar o rosto para trás ela ouve novamente o incrível Yupiiii!
—“Por que eu fui fazer isso?”
—Sapa!
—Diga cigana do realejo. O que quer?...
—Não precisa pagar pela consulta.
—Que consulta? Do que está falando?
—Tome. O periquito retirou para você.
Sapabela lê o cartãozinho.
—“ÀS VEZES É GRATIFICANTE OLHAR PARA TRÁS”
—Quer saber, cigana do realejo? Tchau!
—Essa pressa é para o Metrô ou está fugindo de você?
—Algo está brincando comigo.
—Os astros espiam com zelo, e nos piscam, mesmo que a claridade do dia nos nos permita vê-los.
—Tchau, cigana do realejo, estou mesmo atrasada. Como sabe, o meu sábado começa na sexta.
—Tem alguém com quem conversar no sábado?
—Não, cigana do realejo. Por quê?
—Uma florista não devia desperdiçar um encontro tão interessante.
—Do que fala? Está maluca também?
—Não sei. Uma cigana do realejo nunca sabe do que fala.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 801
Marciano Vasques

2 comentários:

  1. Quando temos em mente e coração trazer ânimo, demonstrar preocupação dirigindo palavras de conforto e trazer para si os que também tem os mesmos principios, ao fim de um texto alcançamos uma energia esplendorosa, diria que maravilhosa.
    O Escritor tem todo o meu respeito e admiração pelo trabalho desenvolvido, os méritos são merecidos, aceite que é de coração um sincero abraço fraternal e desejo de muito sucesso.
    Nicinha

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  2. Olá,
    Escrever em forma de diálogo é exaustivo e é prova da sua vocação a escritor cujo dia se comemora hoje de uma forma toda especial...
    Seja abençoado e feliz!!!
    Abraços fraternos de paz

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