domingo, 17 de março de 2013

A PERDA MAIOR DO SAPO

—Rospo!
—Sapabela!
—O meu coração estremecia sempre que eu pensava que você andava sumido... Eu ficava sem mim, e vagava ao lume da solidão... Nem via o reflexo da alegria que sempre nos moveu. Mas agora está aqui, e é domingo! E ainda é cedo! A Padaria Rubi nos espera... Já vejo a luz translúcida do verde claro do licor de anis...

—Sapabela, que saudades!
—Passava em frente ao cinema e nem olhava, virava o rosto...
—Sapabela, vamos seguir em frente, pois só o que nos alegra merece a nossa gratidão...
—Tinha tanta coisa pra contar. Minha amiga Colibrã está magoada e ferida com o Sistema Financeiro...
—Diga a ela que esses sentimentos não existem no sistema financeiro. Ele é frio, metálico, insensível...
—Direi sim, mas, por favor, comece uma conversa. Dê corda. Vamos trançar...
—Transar? Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
—Rospo! Modos, por favor. Eu disse: trançar, tecer, entrelaçar, esticar a corda, alimentar a conversa... florescer... Rospo, se esse povo todo do brejo soubesse do esplendor dourado do brilho de uma conversa numa noite que anoitece num sereno tão sereno... Só a conversa nos salva do assombro e do temor diante da imensidão que não se pode compreender ainda...
—Então, vamos começar uma conversa com uma pergunta. Pense numa coisa nojenta.
—A Política atualmente no Brejo...
—Fale outra...
—Tirar meleca do nariz? Não, isso não é tão nojento... Não é? Ou é?
—Pense outra, pense, por favor.
—É difícil, Rospo. Geralmente não me ocupo pensando nas coisas nojentas. Espere! Que tal... Enganar um amigo?
—Isso! Tem coisa mais nojenta do que algo tão traiçoeiro? Você soterra um tesouro precioso, você se torna o maior perdedor...
—Explica só um pouquinho... Fale desse tesouro.
—É a confiança, querida. Quando aquele que engana perde isso,  a confiança que o outro tinha... Então, não adianta encharcar os olhos de água, não adianta se debater na solidão... Confiança não é renovável, não renasce como o rabo da lagartixa... Sua perda é irreversível... Perdeu, perdeu... É a maior perda de um sapo...
—Isso é tão importante hoje, Rospo?
—Mais do que nunca. Em época alguma a confiança foi tão urgente, tão necessária e tão necessitada de solidez, de fortaleza, de zelo, de esmero, de cuidado...
—Tem algo, além da confiança, Rospo, que pode ser tão drástica em sua perda?
—Sim, tem. A confiança é a base de tudo... Mas tem sim...
—Então diga. que acabamos de chegar... Veja como a Padaria Rubi está tão resplandecente...
—Digo sim. Tem o amor...
—O amor?
—Sim, a verdadeira amizade só existe porque em seu eixo, isto é, sua alma, está o amor. E ele é a garantia de que a confiança existirá...
—Mas pode ocorrer a perda de confiança num amor...
—A confiança e o amor. Veja se entende, Sapabela. Quando a primeira se perde, é porque o segundo já morreu...
—O amor morre?
—Sapabela, eu digo algo: O amor morre, mas é um Matusalém. Ele vive muito, de teimoso, de persistência, vive por audácia, e por querer... Morre, mas antes precisa ser muito machucado. O amor só morre por sacrifício. 
—Rospo, vamos ao licor de anis?
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
—Rospo, você é parente do escarcéu?
—Devo ser, e bota aí mais uns parentes: a algazarra, o alarido...
—Isso é que é viver.
—Sapabela, quando estou aqui com você, sinto que a normalidade voltou.

ROSPO 2013 — 862
Marciano Vasques

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