quinta-feira, 11 de julho de 2013

NA PADARIA SAFIRA

—Sapabela! Yupiiiiiiiii!
—Uuuuuuuuuuuuu! whnangzran!
—Que alegria, querida! Hoje é quinta! Dia do Trovão! O mais místico dos dias. Quinta. Adoro quinta! Sítio, lugar... Tudo que nos é de Espanha e de Portugal.
—Ê coisa boa! E o tempo voa!
—Sapabela! Mil dizeres num carretel...
—Num cordel!

—Yupiiiiiiiiiiiii!
—Outra vez?
—Tudo que é demais enjoa?
—Isso é lenda, Rospo! O que é demais, se for bom para o espírito, não enjoa jamais.
—Goethe!
—O que foi isso, Rospo?
—A palavra "Espírito"...
—Sanchoniathón ao ver as águas do mar agitadas pelo vento...
—Já sei, minha querida.
—Rospo, vamos à padaria Safira?
—Yupiiii!  
—Tem uma amiga que diz que não perde a novela para participar de protestos!...
—Cada um perde o que quer, Sapabela! Se você quiser, pode perder a história. Nossa Constituição garante que todos têm o direito de perder, e a escolha das perdas é livre. Quem quiser perder os melhores momentos da vida, é só começar. Perder é a coisa mais fácil.
—Os melhores momentos estão na simplicidade, não é, meu amigo?
—Tudo que é simples me comove.
—Impressionante!
—O próprio universo é de uma simplicidade encantadora!
—Rospo, mas é complexo demais!
—Essa complexidade é a simplicidade daquele que está no reino.
—Reino?
—Reino do amor, dentro de nossos corações...
—Tudo está em nós, não é?
—Sim, isso não é egocentrismo universal. É que ao erguer os olhos para a imensidão você vê algo que ultrapassa o vulto do tempo, o sopro temporal, algo que está por ter estado, por ser o que sempre foi, desde que você surgiu...
—Rospo, devagar!
—Verdade, Sapabela! Quando a humanidade do Sapo erguer os seus olhos para fora e se apossar da compreensão da imensidão, estará adentrando o reino que viceja a cada nova manhã nos tórax do mundo... E então...
—A humanidade do Sapo não existe. É um conceito filosófico. O que há são sapos bons, e Sapas boas, sapos com a alma repleta de generosidade, de tolerância, de amor... As coisas que realmente importam... E são essas coisas que estão na simplicidade.
—Agora complete esse assunto da simplicidade.
—O azul dos olhos de um cão, uma flor. Essas coisas todas, tudo está em sintonia.Mas tudo é uma doce quimera. E essa sintonia é a tal sincronicidade universal. A sintonia da universalidade. O universo paira em você, que é a soma de todos os metais e minerais suspensos, e é também a possibilidade de mil galáxias... Tudo está em você, que está no pequeno galho de hortelã, na fragilidade do poejo ou da miosótis... E tudo está no mais esplendoroso brilho que é o rastro flamejante de luz de uma estrela que explodiu num tempo que reside na eternidade do momento que passa.
—Sapabela, e nem tomou o licor de anis... Veja, chegamos! Estamos diante da linda e colorida padaria Safira.
—Rospo, a cidade está tão calma. Queria arlequins, poetas, bêbados de luzes, queria uma alegria esfarrapada, uma gentileza de festas nas praças...
—Queria também o quintal do poeta, com samba. Com sapos e Sapas felizes. Gosta de samba?
—Amo!
—Sabe dançar samba?
—Quisera, Rospo, quisera! Mas sou feliz só de ouvir. Talvez minha alma sambe...
—Vamos entrar?
—Vamos, é a primeira vez que entro na Safira...
—E aqui ficaremos um bom tempo.
—Gosto de Spinoza!
—Como é bom ter uma amiga!
—Quer um segredo?
—Sim!
—Ter uma amiga é o maior tesouro na vida de um sapo.
—Isso é segredo pra espalhar, querida.
—Todo segredo bom deveria ser espalhado, inclusive o segredo da simplicidade, que vigora na universal complexidade.
—Amo Ser!
—Às vezes olho as estrelas e os vejo.
—Quem?
—Os poetas bêbados de luzes!
—Safira, seja bem-vinda!
—Mas fomos nós que chegamos!
—Ilusão, Sapabela. Quando chegamos, algo chega em nós.
—E permanece como o passageiro eterno na memória do coração.


ROSPO 2013 —880
Marciano Vasques


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